A Condição Humana. A natureza, as artes, as mulheres e também...os homens.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Compreender

O bichinho estava lá desde que começei a dedicar-me à história do serviço social e lá estava a tal pergunta: qual o significado do "social" no final do século XIX e no início século XX?

Assim há dois anos decidi que queria conhecer melhor a história da Europa entre a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX, mas não seria certamente através dos tradicionais manuais de história, mas sim da obra e memórias dos seus maiores pensadores, podiam ser escritores, filósofos, historiadores e até pintores. Para tal começei por escolher um país, ou melhor uma lingua, e o francês pareceu-me o mais indicado, depois, ao acaso, foram surgindo os autores, em feiras, bibliotecas e até no arquivo lá de casa. É curioso como vasculhamos tudo à procura de um autor e ele foge-nos, enquanto outros estão sempre ali a insistir connosco.
Além do meu objectivo principal também tinha preferência pelo reconhecido mérito destes autores na esfera literária. Assim o primeiro a cumprir os requisitos é sobejamente conhecido e aclamado, Albert Camus. Depois do primeiro livro "O estrangeiro" vieram outros livros de Camus e o que mais me impressionou foi "A peste", esse terrível retrato à condição humana sob ameaça, suspeição e dominação. Quando o medo supera o valor da vida e a ameaça da epidemia mantém todos sob suspeita. muitos perdem a esperança e outros conseguem resistir.

Logo a seguir senti que precisava de um autor menos consensual e com bastante crítica, a melhor solução foi olhar atentamente para o arquivo lá de casa e "Os sinos de Basileia" de Louis Aragon foi sem dúvida uma exclelente opção.
Aragon na sua longevidade conseguiu deixar-nos uma vastíssima obra, mas não nos iludamos pois não foi só porque viveu quase o dobro dos anos de Camus que nos deixou esta obra, mas sim pelo seu brilhantismo. Quando perguntaram a Jean Ristat, em 2003, de que viveu Aragon? A resposta foi clara dos seus direitos de autor, não morreu rico, mas isto diz-nos alguma coisa sobre a sua dimensão intelectual.
Conhecido essencialmente por pertencer ao movimento surrealista ficaria fora da graça, provavelmente,  porque a sua fase realista inclui-se no realismo-socialista. Mas para quem como eu procura rever a história, ou um certo olhar sobre...e ao mesmo tempo se sente suficientemente satisfeita com este estilo de escrita, mais realista, Louis Aragon torna-se incontornável.
"Os sinos de Basileia", de 1934, incluído na coleção "O mundo real" narra o início de século que antecede a primeira guerra mundial, as suas ilusões e contradições, a partir da vida de três mulheres. A primeira mulher deste romance é Diane que vive de acordo com a sua condição feminina uma vida fútil e à mercê da vontade de todos, a segunda é Catherine que sendo mais crítica que a primeira acalenta a esperança de viver a sua própria vida para além da sua condição, por fim Clara a quem Aragon chamou "a mulher dos tempos modernos".
Do livro e sobre Catherine, entre muitos, deixo estes excertos muito bons...são duas belíssimas caricaturas...do anarquista e do revolucionário-comunista
"É certo que Catherine sentia como uma tara, como uma espécie de pecado, aquela sua impossibilidade de abandonar realmente a sua classe, aquilo que a ligava ao universo limitado da rua Blaise-Desgoffe. Eram bem estranhas as relações que mantinha com Libertad (o amigo anarquista). Parecia-lhe estar a brincar às princesas em visita à arraia-miúda. No entanto, sentia-se mais próxima daquele homem do que de Mercurot. Mas tudo entre eles acabava num certo ponto. E com outros, era ainda pior.
Uma das coisas pelas quais Catherine se sentia reconhecida a Libertad, e que a fazia sentir à vontade, foi que ele pusesse de lado o problema das classes. A concepção socialista que corta o mundo ao meio, como uma maçã, ficando de um lado os explorados e de outro os exploradores, sempre a tinha irritado. Onde situar-se? Ela não explorava ninguém, mas não era uma operária.
Pois Libertad dizia que tal distinção era absurda. Havia duas classes: a dos que trabalham para a destruição do mecanismo social e a dos que trabalham para a sua construção. Por conseguinte, em ambas se encontra operários e burgueses. Catherine, pelo facto de ser frequentadora da rua de la Barre, sentia-se do lado bom. Consolação intelectual."
A propósito do suicídio de Paul e Laura Lafargue, Catherine discute com Victor (um motorista militante do movimento operário e também um dos seus amantes)...
"Batia com o punho na mesa. Catherine, com aquela voz doce e surpreendente para os franceses, tentou defender não só Paul e Laura, mas o suicídio. Que havia um preconceito cristão...Victor interrompeu-a violentamente: Que é que está para aí a dizer? Tirar força à Revolução, lá porque se teme a doença, ou a velhice, ou seja lá o que for, um preconceito que eu tenho?...Ah! Sim um preconceito de classe, da minha classe, daquela que vai para a porrada, e que não quer que os combatentes se distraiam! O suicídio, é recalcitrar perante os obstáculos. Que é que tanto teme um proletário que sabe que é proletário, isto é, um militante da sua classe, para querer contra ele próprio, isto é, contra uma parcela da sua classe, dar razão ao adversário, à burguesia, suprimindo-se? Quem se mata são os burgueses.
- Há desempregados que se matam, murmurou Catherine.
- Para começar esses são empurrados para a morte. Parece mais um assassinato do que um suicídio. E depois, se esses camaradas se matam, é porque não sabem como lutar contra a miséria, porque julgam que nada no mundo pode mudar, e então, deixam a vida. Foram vocês que lhes meteram nas cabeças, à força de resignação, cristã ou não, essa ideia e eles estoiram por causa disso. Mas se tivessem consciência..."

Curioso é que encontrei aqui mais sobre Basileia...

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