A Condição Humana. A natureza, as artes, as mulheres e também...os homens.

sábado, 24 de setembro de 2011

Gostos não se discutem


Concepto de Metropol Parasol

Quando estive em Sevilha no ano passado pude ver máquinas e obreiros atarefados que erguiam uma enorme estrutura de madeira suspensa sobre a Plaza de la Encarnácion. Aí fiquei especada a olhar para o monstro de madeira e a especular se iría ser substituída por betão. Bem se vê que não percebo nada de arquitectura, de tecnologia e muito menos de estruturas sustentáveis.
Um ano volvido e o monstro daría lugar a um impressivo princípe, o Metropol-Parasol. Não arrisco chamar-lhe belo, até porque gostos não se discutem, mas sem dúvida que é impressivo. 
O projecto para o Metropol-Parasol de Sevilha foi lançado em 2004 e só foi inaugurado em Março deste ano, mas esteve sempre envolto numa enorme polémica, parece que a controvérsia é mais estética, portanto ligada ao gosto, do que prática, associada à sua funcionalidade.
Esta estrutura, apelidada pelos locais de cogumelos (setas), preencheu um espaço central desta cidade trazendo mais e melhor vida para um pólo arqueológico e histórico. É óbvio que as cidades precisam também de espaços mais desafogados e verdes, mas quando as vistas desafogadas só nos oferecem uma balbúrdia de carros mal estacionados, trânsito caótico e prédios desalinhados e revoltos, então precisamos de beleza, é isso que a arquitectura nos pode oferecer nestes casos.
A primeira vez que vi estas estruturas foi em clarke quay em Singapura, eram de ferro e acrílico e como à noite estavam iluminadas com leds formavam um cenário muito moderno e ideal para os notívagos que deambulavam pelos bares.
No caso do Parasol o efeito waffle torna-o tão apetecível e a sua tridimensionalidade contrasta com a monotonia da arquitectura local, para animar uma paisagem urbana deprimente é preciso cortar com as retas e a tradição.
Gostava de ver uma estrutura destas em Portugal, como no alentejo só poderei vê-la em sonhos, já a começo a imaginar em lisboa, naquelas avenidas, praças e pracetas pombalinas, que têm tanto de racionalidade como de bafiento ou a engalanar as ruínas da bela colina de alfama ao castelo.
Uma das funcionalidades principais do Parasol era fazer sombra, e sabemos como ela é importante no caliente sul da península, no entanto acabou por gerar polémica suficiente, conquistando uma segunda funcionalidade, a atracção de turistas. Sevilha vai continuar a criar novos projectos numa rota de competição que pretende fazer sombra às melhores capitais do turismo europeu.
Como em Sevilha entre a tradição e a modernidade também nós precisamos de um grande dose de audácia!




sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Pior que não cantar

Pior que não cantar
é cantar sem saber o que se canta

Pior que não gritar
é gritar só porque um grito algures se levanta

Pior que não andar
é ir andando atrás de alguém que manda

Sem amor e sem raiva as bandeiras são pano
que só vento electriza
em ruidosa confusão
de engano

A Revolução
não se burocratiza

 Mário Dionísio, Terceira Idade (1982)

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Há algo de precioso na tua maneira de ser…
Também quando olho mais profundamente para mim consigo reconhecer essa voz interior.
Então já não é o apelo de ti que me chama
É o encontro de duas almas
Encontradas num lugar qualquer
Longe…
Bem longe…
Em qualquer paraíso
Aí mesmo onde a morte nos visitou.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Compreender

O bichinho estava lá desde que começei a dedicar-me à história do serviço social e lá estava a tal pergunta: qual o significado do "social" no final do século XIX e no início século XX?

Assim há dois anos decidi que queria conhecer melhor a história da Europa entre a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX, mas não seria certamente através dos tradicionais manuais de história, mas sim da obra e memórias dos seus maiores pensadores, podiam ser escritores, filósofos, historiadores e até pintores. Para tal começei por escolher um país, ou melhor uma lingua, e o francês pareceu-me o mais indicado, depois, ao acaso, foram surgindo os autores, em feiras, bibliotecas e até no arquivo lá de casa. É curioso como vasculhamos tudo à procura de um autor e ele foge-nos, enquanto outros estão sempre ali a insistir connosco.
Além do meu objectivo principal também tinha preferência pelo reconhecido mérito destes autores na esfera literária. Assim o primeiro a cumprir os requisitos é sobejamente conhecido e aclamado, Albert Camus. Depois do primeiro livro "O estrangeiro" vieram outros livros de Camus e o que mais me impressionou foi "A peste", esse terrível retrato à condição humana sob ameaça, suspeição e dominação. Quando o medo supera o valor da vida e a ameaça da epidemia mantém todos sob suspeita. muitos perdem a esperança e outros conseguem resistir.

Logo a seguir senti que precisava de um autor menos consensual e com bastante crítica, a melhor solução foi olhar atentamente para o arquivo lá de casa e "Os sinos de Basileia" de Louis Aragon foi sem dúvida uma exclelente opção.
Aragon na sua longevidade conseguiu deixar-nos uma vastíssima obra, mas não nos iludamos pois não foi só porque viveu quase o dobro dos anos de Camus que nos deixou esta obra, mas sim pelo seu brilhantismo. Quando perguntaram a Jean Ristat, em 2003, de que viveu Aragon? A resposta foi clara dos seus direitos de autor, não morreu rico, mas isto diz-nos alguma coisa sobre a sua dimensão intelectual.
Conhecido essencialmente por pertencer ao movimento surrealista ficaria fora da graça, provavelmente,  porque a sua fase realista inclui-se no realismo-socialista. Mas para quem como eu procura rever a história, ou um certo olhar sobre...e ao mesmo tempo se sente suficientemente satisfeita com este estilo de escrita, mais realista, Louis Aragon torna-se incontornável.
"Os sinos de Basileia", de 1934, incluído na coleção "O mundo real" narra o início de século que antecede a primeira guerra mundial, as suas ilusões e contradições, a partir da vida de três mulheres. A primeira mulher deste romance é Diane que vive de acordo com a sua condição feminina uma vida fútil e à mercê da vontade de todos, a segunda é Catherine que sendo mais crítica que a primeira acalenta a esperança de viver a sua própria vida para além da sua condição, por fim Clara a quem Aragon chamou "a mulher dos tempos modernos".
Do livro e sobre Catherine, entre muitos, deixo estes excertos muito bons...são duas belíssimas caricaturas...do anarquista e do revolucionário-comunista
"É certo que Catherine sentia como uma tara, como uma espécie de pecado, aquela sua impossibilidade de abandonar realmente a sua classe, aquilo que a ligava ao universo limitado da rua Blaise-Desgoffe. Eram bem estranhas as relações que mantinha com Libertad (o amigo anarquista). Parecia-lhe estar a brincar às princesas em visita à arraia-miúda. No entanto, sentia-se mais próxima daquele homem do que de Mercurot. Mas tudo entre eles acabava num certo ponto. E com outros, era ainda pior.
Uma das coisas pelas quais Catherine se sentia reconhecida a Libertad, e que a fazia sentir à vontade, foi que ele pusesse de lado o problema das classes. A concepção socialista que corta o mundo ao meio, como uma maçã, ficando de um lado os explorados e de outro os exploradores, sempre a tinha irritado. Onde situar-se? Ela não explorava ninguém, mas não era uma operária.
Pois Libertad dizia que tal distinção era absurda. Havia duas classes: a dos que trabalham para a destruição do mecanismo social e a dos que trabalham para a sua construção. Por conseguinte, em ambas se encontra operários e burgueses. Catherine, pelo facto de ser frequentadora da rua de la Barre, sentia-se do lado bom. Consolação intelectual."
A propósito do suicídio de Paul e Laura Lafargue, Catherine discute com Victor (um motorista militante do movimento operário e também um dos seus amantes)...
"Batia com o punho na mesa. Catherine, com aquela voz doce e surpreendente para os franceses, tentou defender não só Paul e Laura, mas o suicídio. Que havia um preconceito cristão...Victor interrompeu-a violentamente: Que é que está para aí a dizer? Tirar força à Revolução, lá porque se teme a doença, ou a velhice, ou seja lá o que for, um preconceito que eu tenho?...Ah! Sim um preconceito de classe, da minha classe, daquela que vai para a porrada, e que não quer que os combatentes se distraiam! O suicídio, é recalcitrar perante os obstáculos. Que é que tanto teme um proletário que sabe que é proletário, isto é, um militante da sua classe, para querer contra ele próprio, isto é, contra uma parcela da sua classe, dar razão ao adversário, à burguesia, suprimindo-se? Quem se mata são os burgueses.
- Há desempregados que se matam, murmurou Catherine.
- Para começar esses são empurrados para a morte. Parece mais um assassinato do que um suicídio. E depois, se esses camaradas se matam, é porque não sabem como lutar contra a miséria, porque julgam que nada no mundo pode mudar, e então, deixam a vida. Foram vocês que lhes meteram nas cabeças, à força de resignação, cristã ou não, essa ideia e eles estoiram por causa disso. Mas se tivessem consciência..."

Curioso é que encontrei aqui mais sobre Basileia...

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

O amor segundo Iggy

É assim o amor e a vida conjungal, é tudo tão simples!

Não sei onde tenho ou melhor por onde anda a banda sonora do "Arizona Dream", mas hoje este video passou na tv e fiquei assim...nostálgica.  Apetecia-me ouvi-la toda até à exaustão.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Das férias perfeitas

Das férias da minha infância e de boa parte da adolescência guardo a memória de um tempo que parecia não ter fim, o tempo da minha liberdade que já foi infinita. Era então o tempo da biblioteca itinerante da Gulbenkian, da hora da sesta fingida, de aprender os lavoures femininos e sempre que era preciso de ajudar no pequeno negócio da família, mas acima de tudo de descobrir, subir às árvores, andar de bicicleta até cansar, tomar banho num charco qualquer e sonhar. O final do dia perfeito dessas férias tão distantes era à “fresca”, com os pés descalços e em brincadeiras nocturnas que só terminavam quando os pés tinham uma cor suficiente negra e aspecto esquálido. Como alguns apenas podem imaginar… asfalto e pés descalços resultam numa combinação imperfeita, numa estética paradoxal que poderíamos classificar no limiar do surrealismo, não fosse para tantos tão real. Estávamos na década de 80 e só mais tarde, na década de 90, fiquei consciente que pés descalços rimavam melhor com terra e com areia, mas para isso foi preciso aprender que asfalto rima com progresso e pés descalços com pobreza extrema.
As férias incluíam sempre uma visita prolongada aos familiares que, tendo partido há alguns anos “da terra”, viviam perto da nossa costa. E não por pura ironia, nem acaso, e isso agora pouco importa…pois para minha felicidade viviam quase todos! Por isso quando não ficava perto do Estoril, ficava perto de Sintra. Na Parede irritava-me com a obrigatoriedade de entrar no mar com sandálias só porque fazia bem aos ossos! Mas acima de tudo porque entrava por cima de uns pedregulhos que pareciam, aos meus olhos de criança, verdadeiros gigantes de pedra, com as suas saliências pontiagudas. Na Linha, e com o passar dos anos, passámos a ter preferência pela praia do Casino, a do Tamariz, para os locais. Perto de Sintra é das Maçãs que guardo as melhores recordações de quando era temerária, porque foi aí que, ironicamente, aprendi a respeitar o mar.
Entretanto as férias grandes foram passando e chegou a adolescência!
Numas férias grandes, devia ter uns onze anos, aterrámos (eu e a minha irmã) na Encarnação, perto dos Olivais. Passei as minhas férias “encantada” entre o novo Centro Comercial da Portela e as Piscinas dos Olivais. Nesse ano a maior parte dos mergulhos foram menos salgados é certo, mas a possibilidade de observação da diversidade da espécie masculina, por aquelas bandas e na minha puberdade, tornou estas férias mais aliciantes.
Regressemos às férias no Alentejo que entretanto, no final dos anos 80, fora invadido por piscinas municipais, obras da adesão à CEE. Como já éramos suficientemente crescidas para formarmos bandos de raparigas de maiô* que coloriam as águas monótonas desses equipamentos municipais, os mergulhos tinham agora uma nova rota. Assim passámos a ir a banhos mesmo por aqui. As férias passaram a incluir, entre as outras actividades, o périplo das piscinas municipais, Fronteira, Estremoz, Vila Viçosa, Monforte (muito popular na altura) e até Évora, faziam parte do nosso Roteiro. Os nossos pais combinavam turnos para os transportes, uns levavam outros traziam, até que chegou o dia da via para a emancipação (aos quinze e para a minha irmã, que tinha licença, aos dezasseis) e decidiram compraram-nos uma “acelera” para combater os males da interioridade.
Também porque já éramos mulherezinhas, quer dizer adolescentes, os nossos pais passaram a autorizar a nossa deslocação ao fim-de-semana, sempre em bandos heterogéneos, “às praias” de Tróia. O bando não era um grupo de delinquentes, mas obedecia a alguns princípios que podemos observar nesses Ganges, eram uma instância de protecção e hierarquias das mais velhas em relação às mais novas, das quais supostamente cuidavam.
O fim das férias acabava sempre em beleza, com pelo menos cinco dias de acampamento no Avante! (A Festa, o que hoje se chama um Festival). O que parece uma contradição, por que o fim daquilo que é bom pode deixar-nos tristes e ansiosos, mas não era o caso…. A Festa tinha a função de impulsionar a vontade de voltar às aulas e ao trabalho. Ainda hoje tem essa função, a Festa do Avante! é o meu momento de religiosidade, ou se preferirem de peregrinação. Foi lá que aprendi gestos de solidariedade, camaradagem e tolerância, mas acima de tudo a acalentar a esperança num mundo melhor. São as esperanças que nos fazem regressar e principalmente fazem-nos crer e saber viver.
Das férias quero guardar sempre essa possibilidade de liberdade infinita, que neste momento passa por estar só comigo, por pensar só em mim e principalmente só por mim, ainda que às vezes esses pensamentos me arrastem para uma dimensão de loucura, ou melhor de fantasia e ilusão, que é mais saudável para mim do que o mundo real. Sempre consciente, contudo, dos limites dessa fantasia, em que os sonhos, os quais não delimitamos na nossa infância, são isso mesmo. Foi assim que passei a minha primeira quinzena de férias em Agosto, num período que parece temporalmente curto mas que passei a gosto!
As férias perfeitas já foram as férias grandes, hoje são o reencontro. Para quem se sente demasiado estúpido neste período "Cuidado!", porque isso pode ser um mau sinal...
*Nos anos 80, já havia biquínis em Portugal por isso é preciso contextualizar. Digamos que esta era a indumentária perfeita, uma vez que a maioria destas piscinas tinham como atractivo principal para os não-utilizadores masculinos, uma enorme esplanada panorâmica com vista para o colorido das meninas, transformadas assim em verdadeiras Lolitas! O biquíni parecia-nos mais apropriado para a praia em Tróia, ou a Piscina dos Olivais, enfim só mais tarde percebi que era tudo uma questão de representações e controlo social.