A Condição Humana. A natureza, as artes, as mulheres e também...os homens.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Contra-Manifesto

Em tempo de pré-campanha eleitoral e como cidadã preocupada com os manifestos presidenciais (disponíveis), decidi ler os respectivos, e fiquei estarrecida com a total ausência de representatividade da mulher portuguesa e de uma reflexão, ainda que residual, aos indicadores lançados com regularidade para o “euroespaço” sobre as dimensões da igualdade de género em Portugal; que são, passados 36 anos de democratização e 24 de adesão, no mínimo diletantes, para não dizer que são efectivamente vergonhosos para o país.
Isto não seria relevante se não estivéssemos a falar da candidatura de quem garante e vigia o cumprimento dos artigos da CRP, simplificando, do instrumento que possibilita o reconhecimento da soberania e da legitimidade democrática de Portugal, para os portugueses naturalmente, mas não menos importante no panorama internacional.
Mas olhemos para história recente, se 10 anos após o 25 de Abril a condição feminina foi debatida e “batida” até à exaustão, no cenário pós-adesão fomos invadidos por centenas de preocupações políticas que acabaram por camuflar aspectos centrais e algumas garantias apostas na CRP de 74, designadamente a igualdade. Se este debate foi estéril foi porque não chegámos a nenhuma decisão “política” sobre a garantia de igualdade política, económica, social e cultural da mulher portuguesa, ou seja sobre a transversalidade da condição feminina.
E o que temos nós hoje?
Um plano nacional para a promoção da igualdade de género que se assume como um “ instrumento de políticas públicas de promoção da igualdade e enquadra-se nos compromissos assumidos por Portugal nas várias instâncias internacionais e europeias, com destaque para a Organização das Nações Unidas, o Conselho da Europa e a União Europeia.” (CIG) E leia-se no referido plano que uma das áreas estratégicas prevê “Integração da dimensão de género na Administração Pública, Central e Local, como requisito de boa governação”, por favor senhores/as só não me venham com quotas, porque eu diria é melhor ir às causas do que às quotas!
Dos actuais candidatos a PR nem uma palavra e apenas esparsas referências ao tema.
Assim na cena política actual resume-se (a igualdade de género) a compromissos assumidos…este, que se junta assim a mais uns quantos adereços…da cena política à portuguesa.
A igualdade de género tornou-se mais um adereço, podemos ver curtas referências, ou melhor duas curtas frases nos dois manifestos, assumidamente, mais à esquerda. Este adereço que tem perdido terreno no debate político, possivelmente em consequência da perda do seu brilho pós-revolucionário, para a causa ecológica, por exemplo, acessório central dos políticos de esquerda…e, note-se a ambiguidade, dos “senhores donos” da economia liberal.
As candidaturas à Presidência da República bem como o próprio cargo são então o último reduto de uma sociedade conservadora, político-virilizada e espantem-se…ainda extremamente PATRIARCAL e, por vezes, também paternalista, por reflectirem muito do que Portugal tem de melhor e pior no seu “território” político.
De melhor:
 O sentido de oportunidade dos cinco candidatos e a sua capacidade reflexiva, ao instituírem a CRISE como a CAUSA que justifica a oportunidade das suas candidaturas, para perceber isto basta ler atentamente todos os manifestos (ou ler apenas). Sabemos que o tema domina a cena política, mas a minha dúvida é: se por falta de imaginação se por ausência de convicção dos políticos? No entanto os mais imaginativos alegam outras causas, lá pelo meio, o combate à corrupção, a renovação e mudança. Eu pergunto para onde? Espanha?
A capacidade para camuflar o tabu, adiando assim o debate que para uns é radical e extremista. Para outros é só uma questão de costumes, ou melhor, pouco há a fazer, porque só não participa quem não quer…ou seja, o que havia a fazer está feito! Um dos manifestos refere a centralidade da família (eu já vi isto em algum lado, provavelmente numa vida passada) e a importância das medidas de conciliação da vida familiar sem sequer referir a situação específica da mulher portuguesa.
De pior:
O lema político de há umas décadas a esta parte: “À deriva chegamos lá!”, até porque a fé no devir e a ideia do “já chegámos aos quatro cantos do mundo” não pode ser contrariada com o lema: navegar, navegar é preciso! Ou seja, essa grande dificuldade: a ausência de estratégia a longo, médio e curto prazo. (não confundir esta ideia com outra de inspiração fascizante que defende que os ciclos políticos democráticos é que estragam tudo, que essa democracia cíclica é desnecessária e dispendiosa até!)
Bem mas eu disse o “último reduto” certo?
Se, de um lado, o meu olhar atento me permite concluir que grandes mudanças positivas aconteceram nos últimos anos ao nível da emancipação das mulheres portuguesas, é esse mesmo olhar crítico que me deixa preocupada em relação ao muito que ainda há a fazer, quando grande parte da mudança, creio, esteve e está nas nossas mãos, de todas e de todos!

E que fique claro que por tudo isto, a 23 de Janeiro, votar também conta! (Além do indispensável empenho, participação e mobilização)

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