A "Vénus Negra" de Abdellatif Kechiche foi um dos melhores dramas e ao mesmo tempo o mais violento. Uma surpresa já que o filme que conhecia deste realizador, para o género drama, consegue ser poético. Para abordar a integração de uma comunidade argelina em Marselha, que foi atingida pela precaridade, a discriminação e a aculturação, o realizador recorre a um móbil " o segredo do cuscuz " para evidenciar a solidariedade e os valores desta comunidade, esse segredo é aquilo que os une.
Como "Vénus Negra" pareceu-me um título muito sugestivo e como passava no King, um dos meus preferidos, nem perdi tempo em argumentos e críticas.
A verdade é que na primeira hora pensei várias vezes se eu merecia aquela tortura...mas fiquei e vou repetir mais vezes.
Este filme baseado na história verídica de uma "indigena" que vem para a civilização europeia, a mais avançada do século XIX, mas acaba exposta como um animal de circo. Indigena porque é assim que é tratada pela justiça inglesa e pela ciência francesa, justiça e ciência são neste caso dois pilares duvidosos da nossa civilização democrática...
Violento porque retrata precisamente essa civilização naquilo que tem de pior, a necessidade de dominação cultural enquanto veículo para a dominação económica e que naturalmente se sobrepõe ao direito a ser diferente, neste caso ao nível étnico e racial. Sim este filme é sobre racismo, sobre exploração e exploração sexual, como confirma a brilhante atriz Yahima Torres.
Vale mesmo a pena ver até ao fim, porque no final percebemos até que ponto podemos ainda hoje ajustar contas com o passado. É aí que ficamos a saber que, até aos anos 70, os restos mortais da sulafricana Saartjie Baartman ( a vénus negra) estiveram expostos no Museu do Homem em Paris e que foi Nelson Mandela quem, depois de 94, travou uma batalha política e judicial contra o estado francês...
A Yahima Torres é uma grande revelação, o realizador confirma a sua grandeza e se não fosse tudo perfeito, seria sempre mais uma oportunidade para ver mais uma excelente interpretação de Olivier Gourmet.
De referir que Abdellatif Kechiche é um francês de origem tunisina, talvez ele tenha uma sensibilidade apurada para tratar o tema da diferença, mas não escolheu a vénus e levou mais de dez anos a pesquisar para este filme por acaso e é aí que está toda a magia...
Sem comentários:
Enviar um comentário